O papel social das bicicletas
O uso do veículo em Ubatuba promove uma atmosfera urbana educada e estimulante
Aziz Nacib Ab`Sáber
O uso habitual e generalizado da bicicleta em uma cidade qualquer depende de alguns fatos essenciais.
Num lugar prioritário entra a questão das características morfológicas do sítio urbano, onde a cidade
estabeleceu sua estrutura de ruas, praças e tentáculos.
Cidades nascidas e crescidas em rasas planícies de restingas propiciam o uso mais amplo de bicicletas,
engendrando um papel social que raramente tem sido registrado. Por sua vez, cidades implantadas
em regiões acidentadas, desenvolvidas espacialmente em encostas de morros, morrotes e colinas, têm
grandes limitações para o uso mais amplo de bicicletas. É o caso dos organismos urbanos estendidos
por colunas onduladas possuidoras de rampas e ladeiras como alguns dos pontos tradicionais,
que perderam a chance da utilização mais intensa dos biciclos. Ainda que pudessem ter ciclovias de
uso parcial, limitadas a setores mais planos de seu sítio urbano, como planície e terraços fl uviais.
No caso, torna-se inoperante a pressão de pessoas simplórias e da mídia na defesa de um sistema
urbano de ciclovias. Tendo-se de considerar sempre para as grandes cidades o problema da intensidade
do emaranhado de veículos de toda sorte. Não é preciso dizer que estamos pensando no caso da
Grande São Paulo. Nessa conjuntura, o uso da bicicleta em redes mais amplas é praticamente impossível.
Bons exemplos de cidades situadas em planícies acontecem ao longo da costa brasileira, ao fundo das
enseadas e de baías. Enquadram-se nesse tipo Recife, Aracaju, Ilhéus, Vitória e Campos. Mais para o sul,
há ainda Ubatuba, Bertioga, Praia Grande, Itanhaém, Peruíbe, Paranaguá e Itajaí. Bem mais para o sul,
Tramandaí, Pelotas e Rio Grande. Por razões muito particulares, é digno de considerações mais específicas
o caso mais impressionante do papel da bicicleta na região de Ubatuba.
Observações prolongadas sobre o uso da bicicleta na cidade de Ubatuba demonstram o extraordinário
papel social que ela desenvolve em uma pequena cidade praiana no litoral norte de São Paulo.
Percebe-se de imediato que, independentemente do caráter sazonal que marca a dinâmica da
vida urbana citadina, o uso dos biciclos é absolutamente permanente no cotidiano de Ubatuba. Os que
vêm de fora são obrigados a usar automóveis para chegar, transitar e participar das oferendas paradisíacas
da paisagem costeira. A disputa por estacionamento nas avenidas praianas, no distrito central de
comércio, ou nos supermercados e shopping centers documenta o uso dos espaços urbanos por aquela
parte da população que vem de centenas de quilômetros de distância. Incluindo, no caso, as pessoas que
possuem apartamentos ou moradias na cidade ou seus arredores.
O caráter principal do uso das bicicletas está relacionado com uma movimentação que envolve,
sobretudo, os adolescentes de ambos os sexos. Rapazes e moçoilas de todos os quadrantes vêm para
o centro da cidade e percorrem a beirada da praia, compram mercadorias singelas. Dirigem-se ao banco
para pagar dívidas. Tomam um café ou um suco barato em bares previamente conhecidos. Compram
cadernos e materiais escolares em papelarias. E se encantam com as lojas de brinquedos e
quinquilharias. Encostam as bicicletas nos raros bancos e nas calçadas. São pequenos esforços, e
funcionam para guardar as bicicletas no centro da cidade. Falta dinheiro para pagar as contas, mas eles
exibem saúde e alegria pelo exercício da pedalagem nos biciclos.
Ao cair da noite, as casas mais simples dos moradores de Ubatuba, no centro expandido – bairro do
Perequê-Açu –, permanecem escuras e com pouca presença humana. Muitas mães usam o ambiente
das igrejas para passar algumas horas fora de casa. Enquanto os jovens – moças e rapazes – circulam à
noite como se fosse de dia. Não existe qualquer perigo de assalto ou agressão. Ao atravessar o movimentado
calçadão do centro, educadamente todos descem do biciclo, empurrando calmamente o veículo até o
reencontro de ruas e ciclovias. Assim, Ubatuba tornouse uma cidade que não é só para homens. E
sim um mundo urbano educado e estimulante para as mulheres.
É verdade que as pessoas de mais idade – e as gordas e obesas – mal usam a bicicleta, mas predomina
por todas as ruas, avenidas e setores de rodovia o uso estimulante e social do veículo. Para os jovens,
incluindo rapazes e moças, cria condições saudáveis e de excelente uso da liberdade pessoal.